segunda-feira, outubro 10, 2005

Manuela Magno em "Grande Plano" no Jornal de Notícias (8.10.05)

Falta de pudor, mina vida política

Manuela Magno quer ser candidata a Belém em defesa de um "imperativo de cidadania"

Ana Vitória, jornalista

Defende a necessidade de uma candidatura extrapartidária a Belém e acredita vivamente que o projecto colectivo de cidadania a que dá o rosto pode revitalizar o debate político. Manuela Magno é professora auxiliar no Departamento de Artes da Universidade de Évora, a cujo Conselho Pedagógico preside. Licenciada em Física Nuclear e doutorada em Música, afirma que as causas cívicas sempre a mobilizaram.

Quais as suas motivações ao candidatar-se a presidente da República?

Tenho a noção muito concreta de que é preciso cumprir o preceito constitucional para a eleição do PR, que deve ser alguém proposto pelos cidadãos e não pelas máquinas partidárias. A Constituição é muito clara quanto a isto. Mas, infelizmente, ao longo dos anos, temos assitido ao facto de serem as máquinas partidárias, que fazem o jogo politico-partidário, a sugerir um candidato. Penso que não se deve continuar mais neste jogo. Depois de uma relexão com amigos, em que nos interrogámos sobre quem, enquanto cidadãos eleitores, gostaríamos de propor, surgiu o meu nome.

No conjunto de nomes propostos , qual a razão de ser o seu o sugerido?

Foi uma dificuldade. As reuniões aconteceram em Janeiro de 2004. Ao analisarmos as características que acharíamos que seriam boas para um PR, fui verificando que as que íamos apontando no grupo de amigos se enquadravam na minha maneira de estar e de ser.

Quais são essas características?

Primeiro, penso que um presidente da República tem de ser uma pessoa que goste de comunicar com os outros... e ter também energia fisica. Eu, que sou professora, sei o quanto ela é precisa para se dar uma aula! O PR, que segundo a Constituição simboliza a unidade nacional, tem necessariamente de ser uma pessoa enérgica. E tem também de ter integridade.

O que quer dizer com isso?

Que deve ser isento, o que não significa que não possa ter opinião própria. E deve ser incorruptível, deve gostar de Portugal e conhecer bem a realidade portuguesa. Terá também de ser uma pessoa com capacidade de trabalho e de iniciativa. Deve interessar-se por ouvir os outros.

No contexto actual justifica-se uma candidatura como a sua? Não é algo utópico?

Justifica-se mais do que nunca. Até porque 31 anos depois do 25 de Abril a falta de pudor dos políticos profissionais é cada vez maior. Cheguei a uma fase da minha vida em que tenho disponibilidade para avançar com esta pré-candidatura. Segundo a Constituição, faz sentido que os candidatos sejam cidadãos que acreditam poder desempenhar bem o cargo. Para isso, devem conseguir o apoio de um mínimo de 7500 eleitores. Apresentados os candidatos, os partidos podem ou não apoiar um deles. É o que está na lei, mas não o que se vê.

Considera então que, à partida, as escolhas partidária não cumprem o pressuposto de isenção...

Para se chegar a presidente, deve-se ser isento. Quem, por exemplo, milita 30 anos num partido cria certamente laços de amizade, que acabam por interferir no discernimento entre o que é justo ou o que é feito por simpatia. Por isso considero que uma candidatura, com as características da minha faz todo o sentido.

A sua candidatura pretende, então, ser um desafio para revitalizar o debate político?

Mais do que um desafio, é um dos objectivos.

Outros pré-candidatos têm um grande apoio, têm marketing. Como vai revitalizar o debate político com os fracos recursos de que disporá se chegar de facto a ser candidata?

Só o posso fazer se tiver possibilidade de ser conhecida. Quando anunciei a intenção de candidatura, a 29 de Fevereiro de 2004, disse que esperava que a Comunicação Social não me calasse. Uma das funções da Comunicação Social é dar a conhecer projectos de cidadãos, instituições ou agrupamentos.

Se aparecerem dezenas de candidatos, será exequível todos terem direito a visibilidade?

Isso não acontecerá. E antes de começar a "investir", a Comunicação Social pode avaliar o percurso e o currículo das pessoas.

Mas o peso político conta muito nestes casos.

Não sei o que é isso do "peso político". Não está em nenhum sítio da legislação quem é que tem peso político. O princípio da igualdade de direitos dos cidadãos está na Constituição.

Há quem defenda que o prestígio internacional de um presidente é fundamental.

Não me parece. Não há cursos para presidente da República. Se pensarmos bem, que peso internacional tinha, na altura, o general Ramalho Eanes? Nenhum. Nem sequer era muito conhecido em Portugal.

Ao longo da sua vida esteve sempre muito ligada a causas sociais. Que tipo de causa é esta da Presidência?

Uma causa cívica. A responsabilidade associada ao órgão de soberania Presidência é de tão grande que, se não for levado em conta o respeito pelos cidadãos, o cargo deixa de ter sentido. Tem havido uma perversão do que está na Constituição.

Estudou a fundo a Constituição?

Sim. Em Portugal, por tudo e por nada, tem de se pedir um parecer jurídico. As leis existem, mas ou estão mal feitas ou há muita gente a viver à custa de pareceres sobre esta ou aquela matéria. O cidadão deve saber interpretar a lei, que, infelizmente, nem sempre é obvia. Isto tem a ver com os nossos legisladores, que deixam uma certa margem para que, depois, possa haver lugar a várias interpretações. Isto é perverso.

As suas críticas atravessam várias áreas da sociedade. Acha que são poucas as mudanças feitas ao longo dos últimos 30 anos?

Quando começo a olhar para o que se tem feito pelos Cidadãos, pelo Território, pelo Ambiente, pela Educação (neste caso, como diz a Constituição, incumbe ao Estado eliminar o analfabetismo), pergunto, de facto, o que é que se tem feito nas últimas décadas em relação a estas matérias. Fez-se muito pouco.

Mas não será da competência do presidente resolver tudo isso.

Não . Mas a um presidente compete fazer cumprir a Constituição. Não é só mandar uma lei para o Tribunal Constitucional quando duvida da constitucionalidade dela. É também olhar para as omissões. Claro que, seja quem for eleito presidente da República, não irá resolver os problemas de Portugal, até porque o PR não tem poder executivo. Mas pode e deve ser, e eu gostaria de ser essa pessoa, um catalisador fundamental. Alguém que estimula, que motiva. Acho fundamental existir um presidente com um papel pedagógico de motivação. Até porque o cargo dá-lhe a disponibilidade, o tempo, os meios.

O país atravessa momentos difíceis. Qual deve ser, o papel de um presidente nestas circunstâncias?

Quando a República está em dificuldades, o representante máximo da coisa pública deve ser o primeiro a dar o exemplo. Com dignidade, é certo. Mas a dignidade não tem de ser sinónimo de luxo e esbanjamento. A dignidade é fazermos o mínimo, com respeito pelas dificuldades que a maioria dos portugueses passa neste momento. Mas, para grande desilusão minha, há muito pouco respeito pelas pessoas.

Como presidente da República quais seriam as suas linhas de acção?

No momento em que é eleito, cabe ao presidente nomear cinco pessoas para o Conselho de Estado. Até aqui, as escolhas tem sido sempre políticas. Ora os partidos políticos já estão representados na Assembleia da República. Não entendo este complexo de se ter de ir buscar pessoas ao campo político-partidário para integrarem o Conselho de Estado. Eu, por exemplo, optaria por um representante das associações não governamentais.

Está a pensar em alguém em especial?

Não. Porque não serei eu a fazer a escolha. Na altura, limitar-me-ei a fazer o convite à associação que representa as ONG. Seria esta que escolheria quem, entre os seus, gostaria de ver representado no Conselho de Estado. E provavelmente também escolheria, pelo mesmo método, um representante das associações de moradores. É à sociedade civil que temos de dar voz. Felizmente, já foi feita revisão constitucional que permite apresentar listas totalmente independentes para o Poder Local. Tem havido melhorias nesta matéria, mas ainda há muito a fazer. Também deveria existir a possibilidade de independentes concorrerem à Assembleia da República. Claro que tudo isto se pode justificar historicamente. Mas é importantíssimo revitalizar o debate político.

De que forma?

Trazer para o debate público pessoas que conhecem a fundo os assuntos.